quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Atraso na obra e os direitos dos consumidores


Por Marco Aurélio Luz*

A compra da casa própria é um sonho de muitos brasileiros. No entanto, após conquistar a nova moradia, muitas famílias veem seus planos ruírem, de uma hora para outra, devido ao atraso na entrega do imóvel. Há casos de noivos que planejam se casar para, logo em seguida, se mudar para a nova residência e acabam tendo de adiar a cerimônia. Casais se frustram por seu filho nascer sem poder já morar no novo lar. Outro absurdo é ver a pessoa com os móveis comprados e não ter onde colocá-los. Ou ainda, o comprador ter de arcar com aluguel enquanto aguarda pela liberação da propriedade. 

Por tudo isso, o descumprimento do prazo contratual para o recebimento das chaves lidera o ranking dos aborrecimentos enfrentados pelos consumidores que adquiriram imóvel na planta. Segundo pesquisa da AMSPA - Associação dos Mutuários de São Paulo e Adjacências, de janeiro a junho de 2014, foram registradas 690 reclamações referentes a não entrega das chaves no prazo estipulado no contrato. Dessas, 344 dos reclamantes deram entrada na Justiça. O resultado apresentou um aumento de 39% nas queixas e um crescimento de 33% nas ações impetradas junto ao Poder Judiciário. Os dados são comparativos ao mesmo período de 2013, quando houve, respectivamente, 496 descontentes e 258 ações judiciais. 

Na tentativa para mudar essa realidade, recentemente, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 178/11. O texto prevê que as construtoras paguem multa de 1% do valor até então pago pelo comprador, mais 0,5% por mês de atraso, no caso de não entregar o imóvel após o prazo de seis meses. Embora, essa proposta seja ainda encaminhada ao Senado, se aceita, vai representar um retrocesso nos direitos dos consumidores. 

Hoje, o entendimento da Justiça nessas situações é de que o percentual de multa seja de 2% e de 1% a cada mês de atraso, que deve valer desde o primeiro dia do não cumprimento do que foi estabelecido em contrato. Aliás, a multa e os juros de mora devem ser cobrados sobre o valor total do imóvel e não somente pelo valor até então pago pelo consumidor. Além disso, cabe ao mutuário receber indenização por danos morais e materiais e lucro cessante, ou seja, o que o prejudicado deixou de ganhar ou se perdeu um lucro esperado. 

Outro respaldo da lei em prol dos adquirentes é quanto ao prazo de tolerância de 180 dias para entrega da moradia. Para o Poder Judiciário, a medida só é válida nas situações de força maior que impeça a conclusão da obra, como terremoto ou enchentes. Mas, tecnicamente, as construtoras se apropriam desse direito sem comprovar adequadamente o motivo pelo atraso, ou que é pior, não avisam aos mutuários sobre o retardamento da obra. 

O comprador do imóvel na planta também tem o direito de pedir o congelamento do saldo devedor, juros e o INCC – Índice Nacional de Custo da Construção, ou seja, da correção feita nas parcelas durante a construção do empreendimento, quando passar do prazo estipulado no contrato para ter as chaves do bem. O pedido da liminar é importante porque interrompe as atualizações monetárias da dívida até que ocorra a decisão final do Poder Judiciário, também evita que o nome do proprietário entre no cadastro negativo do Serasa e SPC. Vale ressaltar que mesmo com o pedido de tutela antecipada, o mutuário deve continuar pagando as parcelas sem correção. 

Já para aqueles que tomam a decisão de rescindir o contrato, a Justiça garante o reembolso do dinheiro integral e de forma imediata, com a correção monetária devida, e não após o término da obra ou de forma parcelada.

É lamentável ver o sonho da casa própria se transformando em pesadelo para muitos brasileiros. E esse cenário pode piorar, ainda mais, caso o Senado aprove o Projeto de Lei 178/11. A aprovação desse texto vai significar um passo atrás nos direitos dos consumidores. Por isso, é de suma importância a união de associações de mutuários como de institutos de defesa do consumidor para, juntos, termos mais força ao pedir aos nossos senadores a revisão do substitutivo. A Justiça, mesmo que ela tarde, mas não vai falhar. 
________________________________________   
*Marco Aurélio Luz é presidente da AMSPA - Associação dos Mutuários de São Paulo e Adjacências www.amspa.org.br. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário